Propaganda: doçura e amargor

Propaganda: doçura e amargor

Setor que elevou a imagem do Brasil mundialmente hoje enfrenta inúmeros desafios

Matéria de Claudia Penteado, da Época Negócios, publicada em 06 de dezembro de 2019 e compartilhada na íntegra

Nesta semana, se comemorou o dia mundial da propaganda, mais precisamente no dia 4 de dezembro. Essa curiosa  celebração foi criada na Argentina em 1936 como “Dia Panamericano da Propaganda”, mas entrou no calendário oficial brasileiro como “Dia Mundial da Propaganda” apenas em 1970. A época era de caos político e econômico, mas foi justamente ali que começou a chamada era de ouro da propaganda brasileira. Eram tempos estranhos no Brasil, que demandavam dos artistas uma resistência transgressora, ambiente árido para alguns e especialmente frutífero para mentes mais criativas e inovadoras.

E foi justamente naqueles anos que algumas dessas mentes transgressoras se interessaram pelo mundo da comunicação das marcas, e assim nasceu e se multiplicou um jeito de fazer propaganda alegre, culturalmente engajado, corajoso e cheio de ironia transgressora. A novidade saiu das mentes geniais de dois espanhóis e um libanês, um trio que sacudiu a cena dominada pela caretice das agências multinacionais, e inspirou gerações de publicitários. Afirmo sem medo que Duailibi, Petit e Zaragoza e sua DPZ inventaram a propaganda que não subestimava a inteligência das pessoas. Havia ali um tempero mágico, um pozinho de pirlimpimpim que, combinado a outras mentes geniais como Washington Olivetto, Neil Ferreira e tantos outros, deu samba. E transformou o negócio da propaganda no Brasil, nos colocou na cena internacional, nos deu prestígio e, claro, muito dinheiro a todos os envolvidos -como qualquer negócio bem feito.

Eu diria que havia uma leveza quase irresponsável em muito do que se fazia naqueles tempos, e hoje é difícil entender e contextualizar muitas daquelas premiadas campanhas vendendo ostensivamente o que hoje é, hipocritamente, consumido aos borbotões, porém considerado invendável na propaganda. Empresas, marcas e todos os envolvidos nesta imensa cadeia capitalista foram sendo convocados a assumir seu quinhão de responsabilidade naquilo que é dito e, claro, praticado. Muitos que viveram aqueles tempos ainda hoje costumam repetir que “o mundo ficou mais chato”.

O fato é que ao longo dos últimos 50 anos essa incrível atividade foi do céu ao inferno algumas vezes, e há inúmeros motivos e circunstâncias envolvidos. A atenção das pessoas mudou de lugar, é fato: no ambiente digital, as audiências seguem se fragmentando ad infinitum. Muita coisa já mudou e ainda vai mudar. Nesse contexto, interromper as pessoas para vender um peixe passou a ser vilanizado — e a equação antiga, onde o acordo tácito entre receber conteúdo gratuito (ou a preços amigáveis) em troca de ser impactado por mensagens publicitárias, em muitos aspectos perdeu o sentido. A fragmentação das audiências e o questionamento da interrupção como modelo levaram a um verdadeiro desmonte da estrutura mantenedora (e fundadora) do jornalismo de qualidade, colocando esta área em uma zona de vulnerabilidade cujos resultados estamos vivenciando hoje, globalmente, e que também atende por “era da desinformação”.

A propaganda de repente se subdividiu em “on ” e “off “, muitas agências demoraram a entender para onde navegar, algumas se agarraram ao passado como num Titanic que afunda bem lentamente, outras se lançaram em novas paragens e modelos tentando, simplesmente, sobreviver. Várias encontraram um novo lugar ao sol, cada vez mais distanciado daquelas origens, reposicionando suas entregas como conteúdo de marcas, entretenimento e outras nomenclaturas e definições, frequentemente por remunerações estranhamente menores, num jogo de valores totalmente diverso. Grandes talentos criativos se aposentaram ou foram aposentados por um sistema que gradualmente desprestigiou a chamada “propaganda tradicional”.

Hoje, se você quer uma experiência melhor no Youtube, contrata a versão premium — sem propaganda. Se quer seu Spotify sem incômodas interrupções, paga um pouco a mais. No Netflix, a propaganda simplesmente não existe, enquanto as audiências seguem felizes pagando o valor de duas mariolas pelo acesso a séries e filmes de excelente qualidade sem qualquer interrupção, enquanto este é um dos negócios de pior performance financeira de que se tem notícia.

Tempos estranhos. Agências não podem mais ser chamadas de agências, propaganda que não pode mais ser chamada de propaganda.

Para mim, propaganda sempre será propaganda — se subdividindo entre boa e ruim. Você pode até não gostar dela, mas ela pode ser divertida e fazer rir ou chorar, passar mensagens altruístas, educar, combater preconceitos, denunciar, entreter, seja o que for — mas deve, sempre, ter seus objetivos de vender claros e assumidos. Porque no final do dia, na outra ponta, há uma marca, de uma empresa, querendo vender um produto ou serviço. Até a Nike, com suas mensagens lindas, filmes maravilhosos, que defendem causas — invariavelmente quer vender seu modelo mais recente de tênis de corrida, por exemplo. E não há nada de errado nisso, desde que a empresa faça isso responsavelmente. Quando travestida ou disfarçada de outra coisa, a propaganda pode confundir ou enganar. E o ambiente digital hoje está povoado de ações disfarçadas.

Gosto mais das trocas autênticas. Gosto quando o wifi do aeroporto me faz assistir um comercial em troca do sinal gratuito — especialmente quando ele é bom, como os deliciosos filmes da campanha da BETC Paris para a Air France. Por que não? Tosco é nos fazer engolir coisas quadradas, criadas e aprovadas por gente incompetente — como banners horríveis que pululam, inconvenientes, diante dos nossos olhos, enquanto estamos tentando ler um artigo. Não está fácil para a propaganda. Mas gostaria de aproveitar para celebrar a boa propaganda: a que propõe trocas autênticas e não se disfarça de qualquer outra coisa.  E que quando é boa, entretém, é “orgânica”, compartilhável. Simples assim.

Usei a expressão “doçura e amargor” no título em referência a Washington Olivetto, que foi homenageado no dia mundial da propaganda, durante a entrega do prêmio Caboré, em São Paulo, e em seu discurso usou os termos para falar do Brasil. Lá, com uma perplexidade que também me aflige, ele falou de perdas e de algumas realizações de 2019.  E homenageou o D, o P e o Z, da agência que reverencio aqui e sempre, e que lhe deu condições de realizar alguns dos trabalhos mais brilhantes de sua carreira. E encerrou dizendo que é preciso falar mais a verdade, convidando todos a serem menos modais e deslumbrados, mais consistentes e pertinentes, tendo mais cuidado com o presente arduamente construído, pois sem ele o futuro está ameaçado. Sem saudosismos: apenas olhos bem abertos para as desconstruções tóxicas, e suas consequências.

Mas, como estamos numa democracia, para quem não acredita (mais) em propaganda, o dia 4 de dezembro é também dia de Oyá, ou Iansã, divindade da mitologia yoruba relacionada aos ventos. E de Santa Bárbara, a santa turca que pagou um preço alto por seguir o cristianismo — e é protetora dos raios, dos trovões, das tempestades, dos que trabalham com o fogo. E em meio a ventos, trovões, tempestades e fogo, seguimos.

*Claudia Penteado é jornalista, estuda comunicação, filosofia e literatura, mora no Rio de Janeiro e acredita em capitalismo consciente. É leonina, mãe da Juliana e prefere ler livros em papel.

Matéria Época Negócios
Publicada em 06 de dezembro de 2019

Fonte: Epoca Negócios

https://epocanegocios.globo.com/colunas/Marketplace-ideias-e-inovacao/noticia/2019/12/propaganda-docura-e-amargor.html

CLAUDIA PENTEADO*
06 DEZ 2019 – 09H31 ATUALIZADO EM 06 DEZ 2019 – 09H31
Foto: O publicitário Washington Olivetto (Foto: Divulgação)



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