PARA O CHEF ERICK JACQUIN, É HORA DE REPENSAR A ALTA GASTRONOMIA

PARA O CHEF ERICK JACQUIN, É HORA DE REPENSAR A ALTA GASTRONOMIA

Para o chef Erick Jacquin, é chegada a hora de repensar a alta gastronomia.

A conversa com Erick Jacquin começou no supermercado. Ele atendeu o telefone de máscaras e luvas. Estava comprando frutas e leite para os seus filhos pequenos. Voltamos a falar logo depois de ele esterilizar as compras, já em casa.

Abastecer a despensa, cozinhar e participar das diversas lives tem sido a rotina do chef celebridade. Em alguns dias da semana, Jacquin vai cozinhar no seu restaurante Président. Recém-inaugurada e com três meses de funcionamento, a casa sempre lotada foi obrigada a fechar e passou a trabalhar apenas com o delivery. Mas o delivery, diz Jacquin, não rende nem 10% do faturamento de antes da crise. Na verdade, está sendo adotado mais para manter os equipamentos em uso.

Jacquin, um estrelado chef que ganhou status de popstar ao ser um dos jurados do programa MasterChef, estuda fazer uma outra experiência com o delivery.“Eu penso em fazer um delivery de luxo, para as pessoas finalizarem os pratos em suas casas, algo diferenciado, de alta gastronomia”, diz o chef ao NeoFeed. Na entrevista que segue, ele fala sobre a preocupação com os funcionários, o futuro dos restaurantes, as lições que aprendeu com os familiares que viveram a Segunda Guerra Mundial e faz duras críticas aos valores praticados na alta gastronomia. “Atualmente, os grandes restaurantes franceses não são para os franceses. Nenhum francês consegue pagar 120 euros na entrada, 240 euros no prato e 80 euros na sobremesa. São apenas milionários russos, chineses, americanos e alguns brasileiros”, afirma. Acompanhe:

Começamos esta conversa e você estava no supermercado. Como é a vida do Jacquin na quarentena?

Eu estou aproveitando para aprender. Estou lendo, faço minhas lives, penso no futuro. Tenho dois bebês em casa. Estou pensando em escrever um livro, aliás, já estou com o projeto, mas não tenho pressa em terminar.

Como ficou o Président desde o início da quarentena?

Tínhamos três meses com a casa em funcionamento e precisamos fechar. Aproveitamos para resolver alguns probleminhas, como o ar condicionado, uma pia com vazamento, coisas simples. E o chão de luz, onde eu cozinho. Estamos funcionando com o delivery e esperando para quando abrir.

Como foi fechar, com estoques, com os funcionários?

Não tínhamos muito estoques. Nosso cardápio não é grande e ainda estávamos no início da atividade. Não tínhamos ainda parcerias com fornecedores. O que tinha ou eu comi ou vendi. A questão dos funcionários é o que mais me preocupa. Muitos estavam em final de experiência. Com o delivery, temos dois grupos de dois cozinheiros, mais duas pessoas para atender o telefone e dois motoboys. Às vezes, eu vou cozinhar. Não acho justo pedir para os outros.

Você se rendeu ao delivery?

A gente não fatura nem 10% do que faturava em um mês. Se tirar o custo de embalagem, que é caríssima, mais o custo da entrega, às vezes perdemos dinheiro. Mas é preciso mostrar que estamos ativos. O delivery funciona para deixar os equipamentos ligados e evitar problemas de manutenção depois.

Como será o movimento para reabrir as atividades?

Nos restaurantes, acredito que será outra profissão. Vai mudar muito. Muitas casas vão ficar mais focadas no delivery. Eu penso em fazer um delivery de luxo, para as pessoas finalizarem os pratos em suas casas, algo diferenciado, de alta gastronomia. As pessoas vão fazer em casa a comida do Président. E eu explico para elas como finalizar as receitas. Já fiz teste com uns três pratos. Um deles é o pato na panela. É uma receita que nunca fiz no restaurante e acho que pode funcionar neste delivery. Mas vou esperar a reabertura para lançar.

Mas como serão as casas de alta gastronomia pós-pandemia?

Atualmente, os grandes restaurantes franceses não são para os franceses. Nenhum francês consegue pagar 120 euros na entrada, 240 euros no prato e 80 euros na sobremesa. São apenas milionários russos, chineses, americanos e alguns brasileiros. Não se fala francês no salão, só inglês. Recentemente, estive em um restaurante duas estrelas em Paris. Fiquei impressionado que só falavam inglês comigo. E eu estava na França! Não tinha um francês nas mesas. Chegamos a um ponto que nenhum francês conseguia comemorar um momento especial em um grande restaurante no seu país. Antigamente, os grandes restaurantes não praticavam estes preços. Os franceses podiam se permitir ir ao restaurante. Pode ser que os valores voltem à realidade, que a gastronomia se reinvente e volte a ser acessível, até para continuar a existir.

O que seus amigos cozinheiros na Europa te contam?

Meus amigos da França, da Itália, eles estão todos preocupados. Lá, a maioria dos clientes são turistas e hoje não tem turista. Isso é grande problema. Na Grécia e em todos os países da Europa, 40%, 50% das casas não vão reabrir. Atualmente, muitos dos donos dos grandes restaurantes com estrela Michelin são os grandes grupos financeiros, que investiram muito dinheiro e hoje precisam do público. O mesmo acontece com o vinho. Quem é que pode comprar um grande vinho? O francês não pode tomar um grande vinho. Um Château Latour sai do castelo por um valor mais alto do que o salário de um mês de um trabalhador francês. Estes vinhos vão para a Rússia, para Hong Kong. Os preços precisam voltar à realidade.

Você prevê esta redução de preços no seu restaurante?

Ainda não sei como será o menu, mas talvez eu não possa mais usar o caviar. Talvez eu não tenha 40 e tantos funcionários, mas 20.

Mas o restaurante reabre?

É impossível não reabrir. Não tenho dúvida. Mas devo baixar os preços. Antes, tínhamos um tíquete médio de R$ 380, R$ 400, e lotava o salão. Vinha muita gente de fora de São Paulo e já tínhamos os clientes fiéis. Mas acho que muitos vão ter medo de aparecer no restaurante, são pessoas de idade, que vão esperar mais para sair. Se eu sei que não vou voltar tão cedo ao cinema, ao teatro, como posso esperar que as pessoas venham ao restaurante?

Mas você já pensou em como abrir?

Devo dividir o público entre o salão e a parte de cima. Talvez 25 clientes embaixo e 20 em cima. E poucas pessoas para servir, como um bistrô. Mas não imagino prato descartável, copo de plástico. Talvez tenha de dar o saca-rolha para o cliente abrir o seu próprio vinho. E acredito que as pessoas vão acumular funções, vestir a camisa da empresa porque as empresas estão sofrendo. Acabou esta história de patrão é rico. Restaurante não é mais o hobby do empresário.

Quais as lições desta crise?

Às vezes, as grandes dificuldades ajudam muito na felicidade. Na minha juventude, sempre ouvi falar da guerra. Meus pais conheceram a guerra, meus tios morreram na guerra, meu pai roubou para comer e foi criado pelo avô dele. Cresci neste ambiente de valorizar as coisas. Na comida, não podia sobrar nada, você só se servia o que ia realmente comer e ninguém tinha de te explicar isso. Se pegava um pão, terminava. Não era falta de comida ou dinheiro, era uma questão de respeito. Meu avô contava histórias da guerra, de abrir a igreja para esconder as pessoas com a chegada dos alemães. Isso nos deu uma educação diferente, neste pós-guerra. Agora com a pandemia, é a primeira vez que eu sinto estas histórias que o meus pais me contaram. Estamos num tipo de guerra, com um inimigo que não conseguimos ver.

O que mais te preocupa?

Eu acho que muita gente ainda pensa que o vírus é brincadeira. Mas me preocupa as empresas pequenas. Quando gravo o Pesadelo na Cozinha (programa de reality show gastronômico), vejo que muitos são informais. Com a recessão, vão fechar, o desemprego vai aumentar, a violência vai aumentar.

Como fica o programa MasterChef?

Vamos gravar uma nova temporada, mas com formato diferente. O programa continua com certeza.

E os patrocinadores, que vieram com o sucesso dos seus programas de TV?

Os patrocinadores, a loja, tudo continua.

Fonte: NeoFeed



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